José de Guimarães

1939


José Maria Fernandes Marques decidiu adoptar, como pseudónimo, o nome da sua cidade de origem, após ter trabalhado como geólogo, engenheiro e arqueólogo. Embora tivesse viajado por França, Itália e Alemanha no início dos anos 60, a sua carreira definir-se-ia pela descoberta de regiões distantes e incomuns, de África ao Japão, do México à China. Cada uma destas culturas estimulou-o a desenvolver uma linguagem universal e a transmitir um universo imaginário que, afinal, reaviva a memória da própria História portuguesa, feita de enriquecedoras relações com países longínquos.

Enquanto trabalhava com arqueólogos, desenhando e agrupando as peças que eram encontradas nas escavações, José de Guimarães sentiu-se inspirado pela beleza e simplicidade das composições fragmentadas e instáveis. Em 1957, ingressou na Academia Militar e no curso de Engenharia na Universidade Técnica de Lisboa. A sua formação artística começaria no ano seguinte, quando José de Guimarães assistiu a aulas de pintura com Teresa Sousa e Gil Teixeira Lopes e estudou gravura na Sociedade Cooperativa de Gravadores Portugueses. Entre 1961 e 1966, viajou pela Europa – onde pôde conhecer de perto a obra de antigos mestres como Rubens – e concluiu a licenciatura de Engenharia.

A vocação artística de José de Guimarães foi despertada em 1967, ano em que atravessou o continente e rumou a Angola para trabalhar como engenheiro militar. Impressionado pela singularidade da cultura africana, o artista dedicou-se a conhecer as suas tradições, rituais e arte durante sete anos. No final de 1968, fora o vencedor do Primeiro Prémio do Salão de Arte Moderna da Cidade de Luanda durante dois anos consecutivos, assim como do Primeiro Prémio da Universidade de Luanda, na categoria de Gravura; na mesma cidade, realizaria as suas primeiras exposições internacionais e assinaria o manifesto “Arte Perturbadora!”.

José de Guimarães começou a inserir letras, números e slogans nas suas criações. Do desejo de conceber uma síntese entre as culturas europeia e africana, proveio a construção de um alfabeto baseado nas formas e símbolos da segunda, assim como a produção de séries como Fetiches, Reis, Tentações, Amantes e Circo. O ciclo africano desencadeou, na sua obra, a edificação de um universo do fantástico, cujas criaturas fraccionadas e híbridas – entre o animal e o humano, entre o mineral e o vegetal – resultam do cruzamento de sistemas simbólicos ocidentais e de certas tribos africanas e evocam a infância e os medos humanos.

Após a Revolução de 1974, José de Guimarães decidiu regressar a Lisboa e começou a fabricar a pasta de papel que constituiria o suporte das suas obras subsequentes. A sua obra foi exposta em território nacional, em diversas exposições, e entre elas destacam-se Rubens e José de Guimarães, na Fundação Calouste Gulbenkian, em 1978, e uma retrospectiva do seu trabalho no Museu Martins Sarmento, Guimarães, em 1979; e no estrangeiro, em Paris e Antuérpia. O artista recebeu ainda uma bolsa de investigação de serigrafia e fotografia da Fundação Calouste Gulbenkian e ganhou diversos prémios, designadamente, o primeiro prémio na Exposição Nacional de Gravura em Lisboa e, nos anos de 1978 e 1980, a medalha de bronze do Prémio Europeu de Pintura de Ostende.

A década de 80 revelar-se-ia próspera para José de Guimarães, quer criativamente, como em termos de reconhecimento internacional. Em 1980, a sua obra foi exibida numa exposição itinerante que percorreu várias cidades do Brasil, assim como na XVI Bienal de São Paulo.

Esta etapa artística que se caracterizou pela exploração da fronteira entre a pintura e a escultura. O artista iniciou a confecção de peças com materiais pouco convencionais – nomeadamente, papel fabricado pelo próprio e fibra de vidro – que se distinguiam pela sua expansão no espaço e por serem bifacetados. Estes “seres” dilatados eram pintados com cores fortes e alegres que acentuavam o carácter humorístico da sua obra.

A posterior série de viagens ao Japão seria crucial para a sua carreira. No ano de 1989, o Instituto Goethe de Osaka convidou José de Guimarães a construir papagaios de papel, de acordo com a tradição japonesa. A reacção positiva ao seu trabalho resultou na concretização de um importante projecto de arte pública destinado à ilha de Hocaido; por outro lado, a investigação da cultura japonesa deu origem a obras como a célebre Rei D. Sebastião. De facto, o hibridismo do seu trabalho não lhe impossibilitou a exploração do tema da História de Portugal, designadamente através da série As Variações Camonianas e da criação de retratos de personagens ilustres, como Inês de Castro e Fernando Pessoa. No final da década de 80, José de Guimarães seria reconhecido pela sua cidade de nascimento, ao ser premiado com a medalha de mérito artístico de Guimarães e ao receber da Universidade desta cidade o encargo para a edificação de uma escultura de exterior.

Outra fonte de inspiração na sua obra seria o México e os seus curiosos costumes, designadamente a relação com a morte; por outro lado, nos últimos anos, tem sido notável a influência da cultura brasileira. Em Portugal, a década de 1990 testemunhou a celebração do artista que, em 1990, foi agraciado pelo Presidente da República com o Grau de Comendador da Ordem do Infante D. Henrique e, dois anos depois, ganhou o prémio de Artes Visuais da Associação Internacional de Críticos de Arte.

Da indagação do poder comunicativo e expressivo das imagens nasceu um complexo código simbólico, constituído por figuras simples e emblemáticas. Tal propensão fez de José de Guimarães a escolha natural para conceber o logótipo internacional e turístico de Portugal, no ano de 1993, a pedido da empresa ICEP Portugal. A contaminação e miscigenação que caracterizam a sua obra não são meros modos de expressão do primitivo; mais do que isso, elas personificam os ímpetos pós-modernos de abolir as categorias tradicionais de criação artística e de pensar a proximidade entre culturas.

José de Guimarães